No Último Alojamento

24 de Janeiro de 1941

Choveu bastante naquele dia. E fazia muito frio, mas não por causa do escuro da noite ou da água que caía. O frio vinha do medo daquelas pessoas; da ansiedade sobre quem seria o próximo. Eram tão parecidas fisicamente- corpos magros, peles macilentas, olheiras profundas e cansaço-Muito cansaço.
Não muito longe dali, no último alojamento, ficavam as crianças. Eram meninas e meninos de várias idades, mas com um mesmo símbolo cravado em suas vestes – A estrela de Davi. Havia uma menina, daria no máximo doze anos a ela, que estava sentada no meio dos seus irmãozinhos de alojamento, ou irmão de guerra caso você queira preferir, contando uma história. Tinha fadas, dragões, uma princesa enclausurada e numa masmorra e um príncipe que vinha buscá-la. Depois falou sobre Deus, sobre anjos (minha parte favorita!) para as crianças que se agarraram naquelas palavras tal um andarilho no deserto após encontrar um oásis.
Ela se chamava Sarah (significa princesa em hebraico). Quando olhei para Sarah, lembrei-me de uns dias atrás quando visitei uma Alemanha em ruínas. No meio de uma rua em escombros, vi uma pequena plantinha entre os entulhos.
Não era uma rosa ou qualquer espécime exótico, somente uma singela planta que estava de pé. Mesmo com toda a destruição que a rodeava, ela ainda estava de pé.
Tanto Sarah quanto as outras crianças não sabiam o que as aguardava. Mas eu sim. Sabiam que eram elas as próximas. No centro do campo de concentração construíram um galpão com paredes brancas e chuveiros no teto. Irônico, não acha? Enquanto o branco simboliza a paz, aqueles homens de uniforme o escolheram para representar a morte.
O que eu também sei é que nós, os anjos, somos muito mais rápidos do que qualquer gás venenoso. Acomodei o espírito de Sarah me meus braços; de início ela não entendeu, afinal era a hora de tomar banho e não de dormir. Assim que viu minhas asas, então compreendeu.
Sabe o que ela me perguntou? Não foi sobre como era o outro lado, se iria para tal lugar. Perguntou sobre as outras crianças. Disse que só poderia ir com elas a salvo. Que assegurou que não as abandonaria.
-Existem outros além de mim. –respondi- Viemos para buscá-las.




Naquele dia, entendi o significado das palavras do Mestre ditas séculos atrás: “Deixai-vir a  mim as criancinhas, não as impeçais; pois o reino dos Céus é para aqueles que se lhes assemelham. Eu vos digo, em verdade, que todo aquele que não receber o reino de Deus como uma criança, nele não entrará.”
Descanse, princesa Sarah. Feche seus pequenos olhos e descanse. O amargor do remédio já passou, agora chegou a cura.
Sonhe, enquanto te levo para nossa casa. É o que eu posso te prometer.

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