Akai Ito


Naquela época, as grandes muralhas eram erguidas pelos escravos. Em tempos de guerra, os senhores buscavam os domínios, os artistas pintavam as glórias dos vencedores e os horrores dos que sucumbiram nos campos de guerra.
                Mas em uma pequena vila, um menino brincava com um peão de baixo da lua cheia e da brisa da noite. Yuelao observava aquela inocência de sua morada na lua e, por algum motivo, resolveu provar-se diante dos humanos. Disfarçado de velho, Yuelao desceu à frente do menino e sentou-se por perto para observá-lo brincar.
“Boa noite” disse tranquilamente enquanto olhava para sua casa, ofuscante no céu noturno.
    O menino respondeu com um breve “hum” e parou para dar atenção ao velho.
“Você precisa se preparar para seu destino, afinal, logo será um homem e precisará tomar uma esposa.” disse a ele, batendo com seu cajado no chão.
“Eu nunca me casarei!” respondeu com sua voz estridente, e cara emburrada.
“Você tem certeza? O seu destino é quem dirá isso. Ele diz nesse momento. Esse fio vermelho que amarro em seu tornozelo lhe ligará para sempre a pessoa a quem você está destinado”
    E dito isso, Yuelao mostrou o fio vermelho nítido como sangue reluzente que estendia-se como uma serpente pela grama, até o tornozelo franzino da menina-criada que varria a varanda da casa mais proeminente da vila.
    Assustada, ela soltou um leve sussurro e abaixou-se para conferir, o que era aquele fio que não vira nunca amarrado em seu pé. Mal teve tempo de ver a pedra silenciosa que se aproximou de seu rosto e a atingiu, marcando um corte profundo em seu supercílio frágil. O pequeno menino limpou as mãos de terra, convencido de que aquela pedra que atirara seria o suficiente para afastar para sempre aquela menina de si. Depois de mostrar a língua para Yuelao, fugiu o mais rápido que pôde, retorcendo a linha e emaranhando-a pelos caminhos tortuosos em que passou.
    Com um leve balançar de ombros, Yuelao desapareceu no breu da noite.
    Anos depois, aquele mesmo menino, agora homem feito, precisava tomar uma mulher como esposa, para a honra da família e continuidade  de seu sangue. Muitas mulheres apareceram, e o menino, agora homem, não conseguia se decidir por nenhuma. Esta era feia demais, esta outra gorda demais, e esta outra magra demais. Aquela tinha orelhas grandes, aquela tinha uma voz irritante, e a outra parecia um pavão. O menino, agora homem, era o terror das casamenteiras, e, diziam que se andassem por toda china, nunca encontrariam mulher que lhe agradasse.
    Certa noite de luar forte, o homem passeava pela vila, a pensar que, logo ficaria velho, e nunca se casaria. É claro que, em sua memória haviam sequer resquícios da noite em que a divindade Yuelao havia se mostrado perante ele.
    Na casa mais abastada da região, o homem viu a silhueta de uma mulher que se desfazia do coque de seu cabelo. Assim que viu cair as madeixas negras sobre os ombros, mesmo que apenas em uma silhueta, sentiu em seu coração que aquela deveria ser a mulher com quem passaria o resto de sua vida.
    Na manhã seguinte, bateu a porta daquela casa, pedindo ao anfitrião que pudesse falar com a mulher que morava no quarto, em cuja janela vira a silhueta de sua amada. O velho que o atendeu, disse-lhe que ela não costumava sair por vergonha de suas condições.
    Mesmo que a chamasse muito, dia após dia, ela se recusava a sair. Até que um dia o velho lhe sugeriu que, se havia tanta certeza que aquela mulher, sua neta, era sua “parceira ideal”, que marcasse o casamento de uma vez e ela apareceria.
    Então, no tão desejado dia, a mulher surgiu com o rosto coberto por um véu grosso que escondia toda sua face de seu noivo e também dos convidados. Até que em suas núpcias o homem pediu para que tirasse o véu.
“Não tenho certeza de que irá querer ver meu rosto, senhor. É feio e mutilado.”
“Como pode ser feia, se em meu coração tenho tanta certeza que é tão bela quanto o florescer de um lírio?”
“Quando nova, um menino atirou-me uma pedra no rosto, e agora tenho uma terrível cicatriz sob meus olhos.”
    O homem surpreso com o retorno de suas memórias, aproximou-se devagar de sua esposa e retirou-lhe o véu, deparando-se com a mais bela mulher que já havia visto. Tudo nela era belo, até mesmo a pequena cicatriz em forma de fio que se sobrepunha a sua sobrancelha direita.
    O fio vermelho em seus tornozelos reluziu tão forte quanto naquela noite há anos atrás e o deus Yuelao sorriu com a certeza de que, o destino de Akai Ito para sempre seria cumprido.





 
"Um fio invisível conecta os que estão destinados a conhecer-se. Independentemente do tempo, lugar ou circunstância o fio pode esticar ou emaranhar-se, mas nunca irá partir."


 ****
 
Encontrei este post tem alguns dias já, mas resolvi postá-lo agora. Algumas coisas aconteceram impedindo que o postasse antes mas, para os que acreditam em destino, senti uma vontade de publicá-lo agora. Enquanto o relia, me veio à mente a imagem de uma semente que enterramos na terra.
Pode ser qualquer tipo de semente, as que darão lindas rosas ou sementes que darão enormes árvores. A questão que as tornam semelhantes umas a outras é que, você pode plantar uma semente e ficar todos os dias pedindo para que ela cresça mais rápido e mais rápido. Porém, tudo isso será em vão.
O brotinho que vemos vencer o solo sobre ele precisa de tempo para conseguir tal proeza. Por mais que seja o seu desejo força-lo a ser mais rápido, isso em nada resultará, pois as plantas respeitam as leis da Natureza, do Universo da qual fazem parte.
E por respeitarem tais leis, eis que a vida lhes presenteia e de uma simples semente pode nascer a mais bela flor ou a mais estrondosa árvore. Talvez aconteça o mesmo com os sonhos. Respeite e confie nas leis que regem o Universo, e ele te recompensará com a realização do que você tanto almeja alcançar.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

FILOSOFIA DOS CACTOS

Sobre Amor & Libélulas

l'écriture