Sobre a cerca...
Era
uma vez uma cerca antiga e manchada, onde nela o Sol sempre iluminava antes de
se pôr no horizonte. Uma flor vermelha fora deixada sobre a cerca, e vi um
cavalo meio manco, meio desajeitado contemplando tristemente a linda flor que
repousava sobre a madeira já gasta.
Dizem
pelas redondezas sobre o quanto o cavalo era solitário e rude, a ninguém
deixava se aproximar. Possuía cicatrizes das mais difíceis de curar: são aquelas
que flagelam o coração.
Todos
desconheciam a razão do nobre domador de cavalos o ter comprado, dado o desprezo
do animal pelo bicho homem, mas ali estava ele com sua solidão e dor. Mas a
vida o fez aproximar-se de uma menina.
Uma
menina que aos poucos foi aquecendo seu coração selvagem, adoçando os dias
naquele pasto com seus pequenos torrões de açúcar nas mãos delicadas. E todos
os finais de tarde eu assistia o encontro dos dois, vinha aquele cavalo manco e
desajeitado e de bom grado aceitava a pequena recompensa da menina que sorria
para ele.
Tantos
cavalos existiam naquele campo, mas somente para aquele a menina endereçava seu
olhar, seu sorriso. Sempre me perguntei a razão, talvez ela enxergasse nele uma
beleza ainda salva e intocada, a força que move os cavalos ainda vibrasse em
seu peito dolorido, o amor a fazia enxergar isso nele.
Lembro
que me perdia nesses pensamentos...
Porém,
logo via o seu semblante triste, pois embora aceitasse seu presente, ele jamais
a deixou tocar as suas crinas, ou a quem fosse. Eram crinas longas de um marrom
bronze e único, invejadas nos tempos áureos, algumas pessoas diziam.
Ele
ansiava por vê-la, mas nunca confiara nela a ponto de deixar tocar o que ainda
lhe restava do passado, eu cheguei a pensar. E a menina de olhar cabisbaixo
voltava para a fazenda, mas sempre vinha no dia seguinte, e no dia seguinte, e
no dia seguinte...
A
primavera enfim chegou, época onde a natureza acorda as flores. Até o sol parece
mais amigo por essas terras. Foi quando eu vi, em mais uma daquelas costumeiras
tardes, a flor vermelha sobre a cerca antiga, na mesma posição onde ficava a determinada
menina, e o cavalo meio manco, meio desajeitado a esperar por ela.
O
Sol deitou-se sobre os campos distantes, e as primeiras estrelas surgiram no
céu negro. A flor continua sobre a cerca, e menina a esta altura, muito longe
estaria. Voltara para casa, para a cidade de origem, eu pensei.
-Ela
não vem hoje, meu amigo. – disse eu ao cavalo – Acho que voltou para casa.
Antes
de retornar ao estábulo, eu o vi aproximar-se da rosa até suas crinas tocarem
nas pétalas vermelhas.
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